domingo, 13 de fevereiro de 2011

SMARTPHONE

Ele decidiu acabar com tudo. 
Para ficar livre precisava terminar aquela relação  que de paixão e amor, transformou-se em tédio.
O cotidiano, a rotina, as brigas e o sexo de reconciliação. Tudo uma farsa.
"Direi a ela que não a amo há muito tempo."
Tinha o texto completo na cabeça.
Pesou bem as palavras, os gestos e quando se barbeou pela manhã, chegou a dar uma ensaiadinha na frente do espelho embaçado pelo vapor do chuveiro.
Saiu para trabalhar e passou os dedos por dentro do colarinho da camisa sentindo-se estrangulado pela gravata.
Sorriu para os clientes durante a manhã, apertou várias mãos, fechou um novo contrato.
Engoliu o almoço e mais uma vez, achando que a gravata estava apertada demais desafrouxou um pouco o nó.
Não adiantou. Parecia entalado.
Imaginou ironicamente "se eu fosse uma mulher, esse aperto na garganta seria um sinal ou intuição. Pura babaquice."
Já no escritório, estranhou o fato dela não ter telefonado nem uma vez e de certa maneira sentiu-se  grato por aquela falta de comunicação.
No meio da tarde, a gratidão se transformou em um misto de impaciência e um tantinho de ciúmes.
Com sua mesa atolada de papéis, conformou-se. Imaginou que ao chegar em casa, ligaria e como sempre depois de tirar o maldito terno, tomaria uma ducha, sairiam para um restaurante ou um lugar qualquer para conversarem e assim ele resolveria toda a questão.
Estranhando seu smartphone estar misteriosamente silencioso, percebeu que a bateria descarregara.
"Tanto melhor. Ela sempre reclama que ligar para o escritório é uma chatice pois minha secretária sempre diz que estou ocupado em outra linha."
Ainda incomodado com o nó na goela, resolveu trabalhar sem distrações e mergulhou no restante da papelada imaginando deixar o escritório mais cedo.
Lá pelas cinco e meia, deu uma olhada na agenda para o dia seguinte, ajeitou um pouco a mesa e avisou a secretária que estava saindo.
Já no elevador, desabotoou o colarinho, tirou a  gravata e a enfiou no bolso do paletó mas o aperto continuava.
Caminhando em direção ao estacionamento, viu um par de brincos numa joalheria e pensou que eles ficariam lindos nela. Num impulso, entrou na loja, mandou embrulhar para presente e pagou com o cartão.
Entrou no carro e imediatamente se arrependeu da compra irrefletida.
"Idiota! Vou terminar a relação e ou fazer um pedido de casamento?"
Seguiu pelo trânsito, mastigando a estupidez.
"Bem, posso dizer que comprei há mais tempo.Parece uma boa desculpa e será como um prêmio de consolação."
Chegou em casa e abrindo a porta, estranhou umas caixas de papelão no meio da sala. Apressado, ligou para o celular dela, mas caiu na caixa postal.
Ligou o carregador do smartphone na tomada e viu que haviam várias mensagens de voz e um e-mail. Tirou a roupa espalhando tudo pelo chão e de cuecas sentou-se na beira da cama para ler a mensagem.
"Oi. Tentei falar com você várias vezes e como não me atendeu, resolvi escrever. Estou apaixonada por outro cara e quero terminar tudo. As caixas que estão na sala, são suas coisas que estavam lá em casa. As minhas que ficaram aí, pego depois ou pode mandar entregar. Suas chaves, deixei com o porteiro.Se quiser encontrar para conversarmos, me liga depois do feriado, pois vamos viajar. Sinto muito. Beijos."
Por um momento, ele ficou sem reação. 
Devagar levantou-se, foi até o banheiro tirou  os  brincos da caixa, jogou na privada e deu descarga. Tirou a cueca, entrou no box e sentindo as lágrimas escorrerem pelas bochechas abriu as torneiras.

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